Guille

Guille
Este é o Guille - o anjo com a "asa ferida"...

terça-feira, 6 de março de 2012

Falando com os anjos

No começo, quando nossos filhos são bebês ou pequenos, nossa grande preocupação é fato de não andarem. Conforme eles vão crescendo, ficamos aflitos pelo fato de não falarem. Não resta dúvida que ao conseguirem caminhar sozinhos, isso lhes dá maior autonomia e independência, o que possibilita novas descobertas, experiências táteis, a curiosidade sobre as coisas e a satisfação desta curiosidade. Isso é muito importante para o desenvolvimento intelectual e social das crianças.

Mas o fato de não conseguirem se comunicar é frustrante, tanto para eles, como para nós. É como estar encarcerado dentro de si mesmo; ainda que a mente esteja gritando, os outros não podem ouvir. É como olhar para um lago, ver os peixes, as algas, a água, sentir vontade de mergulhar neste mundo tão diferente, mas não saber nadar.

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Como pais, a angústia é não saber se está com fome ou com sede; se é fome de doce ou de salgado; se está chorando de dor ou de manha; onde está doendo, o que está sentindo, o que realmente quer... Agora imaginem a sensação de frustração e impotência deles, por não conseguirem se fazer entender! Alguns continuam reclamando, resmungando e chorando, até que “adivinhamos” o que eles querem. Outras crianças simplesmente se desinteressam e se fecham no seu mundinho e com o que está ao alcance de suas mãos. É de cortar o coração. E apesar da deficiência intelectual ser severa, a cabeça deles amadurece também. Eles não vão querer brinquedos infantis para sempre. Conforme vão crescendo, seus interesses também mudam.

Atualmente, os profissionais estão lançando mão de dispositivos eletrônicos e programas de computador que podem auxiliar na comunicação das crianças. Ainda que tenhamos desenvolvido aqui em casa, formas de comunicação com o Guille que funcionam muito bem (ele consegue “dizer” o que quer e nós conseguimos entender o que ele está “dizendo”), eu também fui atrás dos métodos de comunicação alternativa. O mais usado é o PECS – Picture Exchange Communication System – ou Sistema de Comunicação por Troca de Imagens. Basicamente, são figuras e símbolos que traduzem um significado. Como o quadro abaixo:

     PECS

Com o Guille isto não funcionou. Algumas das razões são claras. Se pedirmos para ele mostrar o “olho”, é mais simples para ele apontar para o próprio olho do que procurar a figura com um olho desenhado. O mesmo vale para as outras partes do corpo. Se pedirmos para ele o “copo”, ele vai até a cozinha, abre o armário e pega um copo. Ou se ele quer um copo, ele mesmo pega – não irá procurar a figura com o desenho de um copo para nos mostrar. Mas se não estivermos em casa, como ele “diz” copo? Ele aponta para a boca e dentro do contexto dá para entender na hora.

Outro motivo pelo qual o PECS não funcionou: algumas ilustrações não fazem sentido nenhum para ele! Vejam só o quadro abaixo:

    PECS2    

A 1ª figura significa ligar... ahnnn, então tá... não funcionaria nunca com ele! Se a luz está apagada e ele quer que acenda, ele aponta para a lâmpada e cobre os olhos com a mão. E vice-versa: se a luz estiver acesa e ele quer que seja apagada, ele aponta para a lâmpada e cobre os olhos. O mesmo sinal serve para acender ou apagar, depende do momento. A foto que significa “FEIA”... ainda bem que eles são inocentes a ponto de não julgarem se uma pessoa é feia ou bonita: para eles, todas as pessoas são iguais. Como ele faz para dizer feio ou bonito? Na tentativa de conseguir fazer com que ele sinalizasse de forma que todos pudessem compreender, e não apenas o círculo familiar, fui estudar LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Eu sempre quis saber os sinais e juntei o útil ao agradável. Tanto que dei continuidade aos estudos e se no momento não estou podendo ir pessoalmente às aulas, estudo pela internet. Alguns sinais são impossíveis, outros difíceis e outros adaptáveis. Um dos sinais que pude adaptar foi “BONITO”. Daí, quando ele quer dizer bonito, usa o sinal de LIBRAS. E para feio, ele simplesmente faz uma careta + sinal de “BONITO” + balança a cabeça negativamente = NÃO BONITO!!  A comunicação feita desta forma é mais rápida e fácil, ao menos para nós…

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Mas e com o uso de dispositivos eletrônicos como tablets, ipad, ipod e iphone? Abaixo descrevo os 5 programas mais usados atualmente:

Proloquo2Go: Um poderoso programa de comunicação alternativa para pessoas com dificuldade de fala; Os desenhos não faziam nenhum sentido para ele (alguns não faziam nem para mim…)

Grace: Um programa que permite a construção de frases por meio de figuras; Não experimentei;

iCommunicate: Um programa com muitos recursos para personalizar quadros de rotina, figuras para comunicação, etc; Este até que funcionou por um tempo com o Guille. Mas foi por pouco tempo…

First Then Visual Schedule:Uum programa para confecção de quadros de rotinas visuais; Eu achei meio complicado para ele usar sozinho – são grupo de atividades separados em blocos.

iConverse: Um aplicativo que pode servir de base para o PECS; Este era o mais barato e o que me agradou mais. As imagens são menos estilizadas e mais fáceis deles entenderem.

Mas vejam bem, não adianta esperar sentado… não existe um “pacote pronto”!

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O caminho mais comum é simplesmente fazer o download de várias aplicações diferentes, e explorá-las junto com a criança, numa atividade em conjunto com o terapeuta e com os pais, avaliando o interesse e a utilidade de cada uma. O site Gadgets DNA publicou em 2010 os 10 melhores aplicativos de iPad para crianças com dificuldades de comunicação. Além destes que mencionei acima, ainda existem:

AutismExpress: Um aplicativo para facilitar o reconhecimento e a expressão de emoções;

Stories2Learn: Um programa que permite a construção de historias para o treino de habilidades sociais;

MyTalkMobile: Um aplicativo que facilita a comunicação;

TapToTalk: Um programa com jeito de game para melhorar a comunicação;
iComm: Aplicativo que facilita o desenvolvimento da capacidade de comunicação verbal e escrita.

                 tablets

Como eu disse no começo, isto não funcionou muito bem com o Guille, mas com certeza pode e deve funcionar com outras crianças. Muitas não conseguem usar o mouse tradicional, então a facilidade do touch screen é ótima. A criança apenas toca na tela do dispositivo e usa os aplicativos. O Guille sabe e prefere usar o mouse. Ele adora o tablet, mas é apenas um brinquedo – fica arrastando ícones, abrindo pastas, teclando apenas para ouvir o que a gravação diz. Ou seja, ele não usa para o fim desejado. Em compensação, no notebook e usando o mouse, ele se encontrou! Procurei sites na internet com jogos que pudessem ajudá-lo, não a se comunicar, mas a aprender as coisas. Achei o site “jogos360.uol.com.br” que possui inúmeros tipos de joguinhos. Um dos que ele mais gosta e poderia literalmente passar horas jogando é o de SINUCA!! Ele fica extremamente concentrado e super focado no jogo. Filmei o Guille jogando e postei no YouTube. Vejam só que legal:

Por que eu acho bom o jogo de sinuca? Ele está aprendendo as cores das bolas, trabalhando a sintonia fina das mãos ao controlar a força nas tacadas, a questão de espaço, dimensão, causa e efeito, etc. Outro jogo que ele gosta muito é o simples Jogo da Velha. Claro que ele geralmente perde, mas o importante é que ele pense aonde pode colocar o X. Tem também os jogos de escolher e vestir roupas, o labirinto, o de fazer bolos; O que derruba o galinheiro e as galinhas se estabacam no chão e quebram os ovos, ele morre de rir... São tantas opções que só indo de uma por uma para saber.

Eu acredito que cada criança tenha seu modo preferido e que considera mais confortável de se comunicar. O importante é tentar todos eles e achar qual o que se adapta melhor às necessidades da criança e daqueles que a cercam. E uma coisa que é importantíssima: observe atentamente seu filho – eles mesmos criam seus gestos, sinais e expressões faciais. É vital entender o que eles significam e usá-las no seu dia a dia, para “cristalizar” na memória deles, para que isto seja parte de seu vocabulário.

Mais do que tudo, mostre o mundo e as coisas que existem nele para a criança. Vocabulário não é o que se fala verbalmente, e sim as palavras e seu significado conhecidas pela criança. E se eles sabem direitinho o que significa chocolate, praia, passear, brincar, certamente aprenderão rapidamente outras tantas palavras e objetos.

Beijos meus e do Guille!

 

Fotos: Laudiane Lira – www.laudianelira.com